2008-12-03

Estabelecimentos de restauração e bebidas: - “prevenção de hábitos pessoais”


Continuamos a analisar o Decreto-Regulamentar Nº 20/2008, de 27 de Novembro. Desta vez, o Artigo 19º - Pessoal de serviço, e deixamos uma questão que por múltiplas razões precisa de ser esclarecida. Urgentemente.

1. Decreto Regulamentar Nº 38/97, de 25 de Setembro

Neste diploma, o Artigo 21º - Pessoal de serviço estabelecia:

1 — Os estabelecimentos de restauração e de bebidas devem dispor do pessoal necessário à correcta execução do serviço que se destinam a prestar, de acordo com a sua capacidade.

2 — Todo o pessoal de serviço dos estabelecimentos de restauração e de bebidas deve possuir habilitações profissionais adequadas ao tipo de serviço que presta, usar o uniforme correspondente e apresentar-se sempre com a máxima correcção e limpeza e devidamente identificado
”.

1.1. Na perspectiva da saúde pública, o disposto naquelas duas alíneas era pouco mais que irrelevante. Todavia, se as analisarmos ponto por ponto (peer to peer, diriam os pós-modernistas), mesmo sumariamente, verificamos que:

i) A Alínea 1. era tão subjectiva que qualquer solução seria justificável.

ii) Na Alínea 2. não se esclarecia o que se devia entender por “habilitações profissionais adequadas ao tipo de serviço que presta” e determinava-se que o “pessoal de serviço” devia “apresentar-se sempre com a máxima correcção e limpeza e devidamente identificado”.

1.2. Em relação às “habilitações profissionais adequadas ao tipo de serviço”, eu sempre entendi (ingenuamente) que as profissões nestes estabelecimentos deviam ser exercidas por pessoas habilitadas com os cursos ministrados nas escolas profissionais de hotelaria, escolas que todos os anos lançam no mercado de trabalho profissionais que depois concorrem aos postos de trabalho com pessoas sem quaisquer habilitações específicas para a prestação desses serviços...

1.3. O cumprimento dos outros aspectos – “máxima correcção e limpeza e devidamente identificado” – corresponsabilizavam os proprietários, gerentes ou administradores dos estabelecimentos de restauração e bebidas e estava subentendido que todos os agentes envolvidos deviam observar “as regras de asseio e higiene a observar na manipulação de alimentos” fixadas pela Portaria Nº. 149/88, de 9 de Março.

2. Decreto-Regulamentar Nº 20/2008, de 27 de Novembro

Este Decreto-Regulamentar deixa cair as “habilitações profissionais”, mantém na generalidade os princípios expostos no diploma que substitui e define, no Artigo 19º - Pessoal de serviço, que:

“(…)

2 — Em todos os estabelecimentos os responsáveis e restante pessoal devem cumprir os preceitos elementares de higiene pessoal, nomeadamente no que respeita:

a) Ao uso de vestuário adequado, roupas e calçado, em perfeito estado de limpeza;

b) Ao uso de toucas ou de outro tipo de protecção para o cabelo pelo pessoal que manipula os alimentos;

c) À lavagem de mãos antes do início dos períodos de serviço e após utilização dos sanitários por todo o pessoal do estabelecimento, sempre que necessário e sempre que se mude de tarefa ou actividade pelo pessoal que manuseia, prepara ou confecciona os alimentos;

d) À prevenção de hábitos pessoais susceptíveis de pôr em causa a higiene e salubridade dos alimentos”.

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.1. Aparentemente, trata-se um conjunto básico de procedimentos de higiene. No entanto, acrescido de um “preceito” - novo, no quadro legislativo concernente - que, para já, eu só classifico de muito (mas mesmo muito) discutível e que deverá ser objecto de reflexão não só pelos profissionais de saúde pública mas também por quem zela pela liberdade constitucional dos cidadãos: - “prevenção de hábitos pessoais susceptíveis de pôr em causa a higiene e salubridade dos alimentos”.

3. A questão

De facto, aonde é que se pretende chegar? ... Eu admito algumas hipóteses, mas espero que os legisladores esclareçam. Por essa razão, pergunto: - O que é que devemos entender por prevenção de hábitos pessoais susceptíveis de pôr em causa a higiene e salubridade dos alimentos?

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Ilustração: Imagem recolhida em Agrupamento de Escolas Alexandre Herculano (Santarém)

2 comentários:

ninha disse...

Apenas para chamar a atenção de que , apesar de o artigo 4º do Decreto-Lei nº 286/99 de 27 de Julho não ser expressamente revogado, no artigo 12º do Decreto-Lei nº 28/2008 de 22 de Fevereiro, é disposto que as funções de autoridade de saúde são exercídas, a nível dos ACES, por médicos de saúde pública, nomeados nos termos da legislação em vigor.
Apesar do artigo 4º referir a delegação de competências de autoridade de saúde a outros profissionais, o Decreto-Lei nº 28/2008 limita essas funções à carreira médica de saúde pública.
Também esta dúvida me surgiu na elaboração de um pedido de parecer jurídico para esclarecer a validade da actuação dos Técnicos de Saúde Ambiental no que respeita à fiscalização e vigilência do nível sanitário dos estabelecimentos de restauração e bebidas face às alterações introduzidas pelo Decreto-Regulamentar nº 20/2008 de 27 de Novembro.

teessea disse...

Agradeço-lhe o seu comentário. Comentário que me “obrigou” a reler o Decreto-Lei Nº. 28/2008, de 22 de Fevereiro, que “Estabelece o regime da criação, estruturação e funcionamento dos agrupamentos de centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde”, particularmente o Artigo que menciona – o Artigo 12º, relativo à Unidade de Saúde Pública.

Após a releitura a que procedi, observo-lhe, em oposição ao que escreve no segundo parágrafo, que não é líquido que o disposto nas alíneas 3. e 4. desse artigo “limitem” a delegação de competências de Autoridade de Saúde aos profissionais da “carreira médica de saúde pública”.

Por conseguinte, mantenho que se mantém em vigor a disposição constante do Artigo 4º do Decreto-Lei Nº 286/99, de 27 de Julho, que revoga o Decreto-Lei Nº 336/93, de 29 de Setembro, o qual regulamentou a Lei Nº 48/90, de 24 de Agosto.

(Vd. “A Autoridade de Saúde nos Estabelecimentos de Bebidas e Restauração”, publicado em 08/11/28)

Complementarmente, pergunto-lhe: apesar da dúvida, pediu o “parecer jurídico” que refere?