2008-10-05

Do ruído ao direito ao silêncio


Parafraseando a Alexandra Lucas Coelho, uma jovem jornalista fascinada pelo oriente, “eu sou do tempo em que os números de telefone tinham quatro algarismos” e aos autocarros nós chamávamos camionetas. A paragem era junto da fonte, no centro da aldeia, e na margem da ribeira que depois foi tapada (hoje provavelmente dir-se-ia “encanada”) para alargar a rua. Então, por lá, não havia táxis mas “carros de praça” e a praça mais próxima ficava em Gouveia (lembro-me do Sr. Lomba), mesmo ao lado da Igreja de S. Pedro, distante cerca de cinco quilómetros, por uma estrada de piso térreo, de Moimenta da Serra – talvez sem propósito: o número de telefone de casa dos meus pais era o 1605 -, onde cresci entre os oito e os doze anos de idade.

Num tempo em que na capela foi instalado um moderno relógio que não substituía os sinos mas marcava a passagem do tempo de quinze-em-quinze minutos com badaladas que se ouviam mesmo nas casas distantes. Um ruído que não agradou a todos, mesmo aos cristãos que não faltavam à missa dominical e que aparentemente cumpriam todos os preceitos da santa madre igreja. Todavia, prevaleceu a vontade do padre - o Padre João (Oliveira, mas não pertencia à minha família).

Quase 50 anos depois, num país que continua geograficamente cristão – na acepção de Bertrand Russell -, é raro ouvirmos o tocar dos sinos e o som dos relógios na torre das igrejas obedece à legislação do ruído para garantir a tranquilidade e o sossego a que as populações têm direito.

Populações e pessoas que são literalmente agredidas pela Muzak, o ruído que sob múltiplas formas nos atordoa nos mais diversos estabelecimentos. E agora também nos táxis, como escreve “A monte” a Alexandra Lucas Coelho na última das suas “Viagens com Bolso” (Ípsilon, Público, edição de 08/010/03). Para quem opta (ou não tem circunstancialmente outra alternativa) por este meio de transporte, não só tem de suportar a “rádio da central, móvel-chama-móvel-chama” e o som da telefonia sintonizada na estação do agrado do motorista mas também, desde o início do mês, “uma espécie de canal-táxi de televendas, flamejante”.

Para se proteger desta agressão, no regresso de Kandahar e depois de andar pelas margens do Rio Sabor, a Alexandra Lucas Coelho escreve que “já estou a tirar a carta”. Um bom pretexto para tomarmos a iniciativa de nos recusarmos a frequentar os locais onde não se respeita o direito dos cidadãos ao silêncio. Enquanto, num país em que tudo se regulamenta – até os bombeiros já calaram as sirenes -, não se disciplinar a Muzak.

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Ilustração: Imagem recolhida em APA, Agência Portuguesa do Ambiente

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