2008-09-13

Com as pessoas, para as pessoas


Pelo princípio da tarde de sábado, depois de almoço, tomo um café e saboreio um wisky – propositadamente sem gelo. Estou em minha casa, no escritório, e imerso no silêncio. Apercebo-me do tic-tac do pequeno relógio na cozinha e do deslizar da ponta da roller sobre a folha de papel quadriculado em que escrevo. De quando em quando, vindos lá de fora, oiço o balido de uma ovelha ou o latido distante de um cão. Faltam poucos dias para o Outono chegar – e, neste momento preciso, distrai-me o chilrear de um pássaro que decerto por breves instantes poisou no parapeito exterior da janela.

Ontem, sexta-feira (08/09/12), no meu espaço de trabalho no Centro de Saúde, uma senhora transpôs a porta – sempre aberta - auxiliada por uma bengala para caminhar, e, depois de nos cumprimentarmos, recusou sentar-se porque – disse-me – só queria entregar-me “uma pequena lembrança”.

Dias antes, consultara-me para esclarecer o Parecer Sanitário que eu emitira sobre um seu projecto que a Câmara Municipal me enviara para eu apreciar. E agora voltava só para me entregar “uma pequena lembrança” – uma garrafa de wisky, ví mais tarde, por acaso da marca que eu mais aprecio – e que agora eu saboreio, devagar, em pequeno tragos.

Depois de muitos anos de exercício da profissão de TSA, continuam a comover-me os pequenos gestos das pessoas para quem trabalho – a população do concelho de Salvaterra de Magos. Um trabalho nem sempre compreendido e quantas vezes imcompreendido pela entidade patronal. Que nem sempre concorda com o meu “modus operandi” no âmbito das minhas competências em Saúde Ambiental.

Que não se veja neste pequeno gesto sequer a sombra de uma hipotética tentativa de suborno, de corrupção – que já defrontei e soube resolver, sem denúncia -. É um gesto que eu traduzo como uma forma de reconhecimento, de gratidão, que me anima a prosseguir o trilho por que optei apesar das contrariedades com que por vezes me debato no meu quotidiano profissional.

Histórias de Saúde Ambiental

Se eu me decidir a escrever – trata-se de um projecto antigo, que provavelmente não concretizarei – as “Histórias de Saúde Ambiental – fragmentos do diário de um TSA” -, relevarei um episódio marcante: - Depois de diversas intervenções, inclusivamente por agentes de diferentes entidades fiscalizadoras, na sequência de uma queixa por razões de insalubridade ambiental, eu, sem me afastar dos critérios deontológicos que informam o exercíco da minha actividade profissional, colaborei no processo de encerramento de um estabelecimento (de restauração e bebidas). Todavia, em condições tais que a proprietária do estabelecimento – uma mulher jovem, dinâmica, emotiva -, depois de mais uma reunião em que esteve com uma familiar, perguntou-me, antes de nos despedirmos: - “Posso dar-lhe um beijo?”.

Agora, admitindo que estarei a repetir-me, enquanto saboreio, devagar, em pequenos tragos o wisky do cálice de “The Famous Grouse”, sinto a minha face tingida pelo rubor que não disfarça a timidez mas exalta um dos meus defeitos profissionais: eu trabalho com as pessoas, para as pessoas
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