No primeiro dia da Primavera – no hemisfério norte, hoje, 21 de Março –, pretexto para a celebração da Floresta, da Luta contra o Racismo, da Poesia … lembro-me de um poema (*) de Glória de Sant'Anna (dito pela Tó Brandão, numa tarde dos idos de 70) que partilho com os leitores do JSA.
MATERNIDADE
Olho-te: és negra.
Olhas-me: sou branca.
Mas sorrimos as duas
na tarde que se adeanta.
Tu sabes e eu sei:
o que ergue altivamente o meu vestido
e o que soergue a tua capulana,
é a mesma carga humana
Quando soar a hora
determinada, crua, dolorosa
de conceder ao mundo o mistério da vida,
seremos tão iguais, tão verdadeiras,
tão míseras, tão fortes
E tão perto da morte...
que este sorriso de hoje,
na tarde que se esvai,
é o testemunho exacto
do erro das fronteiras raciais.
Dos nossos ventres altos,
os filhos que brotarem
nos chamarão com a mesma palavra.
E ambas estamos certas
– tu, negra e eu, branca –
que é dentro dos nossos ventres
que é dentro dos nossos ventres
que germina a esperança.
(*) “Um Denso Azul Silêncio”, Lourenço Marques, Moçambique, 1965.
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Ilustração: “Primavera”, de Botticelli, recolhido em http://iws.ccccd.edu/Andrade/BritLitI2322/Renaissance.html
Ilustração: “Primavera”, de Botticelli, recolhido em http://iws.ccccd.edu/Andrade/BritLitI2322/Renaissance.html
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