Um novo paradigma para a Saúde Pública. As nossas sugestões.
Estas são as propostas (sugestões) que por correio electrónico comunicámos à Direcção-Geral de Saúde.
1. Grupo Técnico
Correia de Campos, Ministro da Saúde, licenciado em Direito e (entre outras habilitações académicas) com um mestrado em Saúde Pública, sabe que a prestação de cuidados de saúde em Saúde Pública não envolve exclusivamente Médicos de Saúde Pública (MSP). Exige a intervenção de outros profissionais de saúde, nomeadamente de Enfermeiros, Engenheiros, Técnicos de Laboratório, Técnicos de Saúde Ambiental (TSA) …
Todavia, o Grupo Técnico (GT) que nomeou para traçar “as principais linhas estratégicas para uma nova reorganização dos Serviços de Saúde Pública” (in “Apresentação”), integra apenas MSP. Como resultado, o Relatório sobre linhas de acção prioritárias “Um novo paradigma para a Saúde Pública” evidencia uma estratégia corporativista que não beneficia a interdisciplinaridade que caracteriza o trabalho em Saúde Pública.
2. Organização
A reforma dos Cuidados de Saúde Primários e de Saúde Pública objectiva a optimização da prestação de cuidados de saúde às pessoas e às populações através do aperfeiçoamento da gestão dos recursos humanos e materiais (financeiros, logísticos, tecnológicos…).
Concretamente em relação aos Serviços de Saúde Pública (SSP), depois de historiar a evolução que se regista desde o início da década de 70, no século passado (reforma de Gonçalves Ferreira), até ao processo de reforma em curso, iniciado por Constantino Sakelarides em meados dos anos 90, o GT propõe que se consolide a organização prevista na legislação em vigor que estabelece três níveis de SSP – nacional, regional e local.
a. Nível Nacional
A este nível, o SSP será assegurado pela Direcção-Geral de Saúde. Cujas atribuições e competências, de acordo com as propostas do GT, consubstanciam a estrutura e as funções que hoje lhe estão consignadas.
b. Nível Regional
Ao nível regional, cuja área de actuação corresponde às regiões administrativas (?), os SSP não terão funções executivas, “para além das directamente relacionadas com o exercício dos poderes de autoridade de saúde” (pág. 9), mas, sobretudo, de planeamento e de coordenação das actividades (desenvolvidas pelos Serviços de Saúde Pública Locais, SSPL) e a “gestão dos laboratórios de Saúde Pública da respectiva área” (pág. 10) de actuação.
Implicitamente, prefigura-se a extinção das Sub-Regiões de Saúde (SRSS).
c. Nível Local
Localmente, os SSP integrarão os Centros de Saúde da terceira geração (CS), CS (na generalidade interconcelhios) que servirão comunidades de 100 a 200 mil pessoas, e terão funções predominantemente executivas.
Nestes serviços (SSPL), “no que diz respeito aos recursos humanos destacam-se, como núcleo duro do seu funcionamento, os médicos (habilitados com a especialidade de saúde pública), técnicos de saúde ambiental, enfermeiros e administrativos” (pág. 12).
Será a este nível que a reorganização dos SSP será mais complexa.
3. Autoridade de Saúde
O GT preconiza que a função de Autoridade de Saúde (AS) não seja nominal mas inerente ao SSP. A proposta não é inédita e parece-nos razoável porque ao libertá-los do ónus da função de AS favorece a valorização das actividades dos MSP e dos TSA (que hoje, por nomeação personalizada, desempenham essa função).
4. Domínio Legislativo
O GT propõe a revisão da legislação relativa ao exercício de Saúde Pública e à organização dos SSP. E, também, a revogação das “disposições legais que restringem o exercício do médico de saúde pública” (pág.14) para “se poder contar com o contributo do profissional mais especializado para desempenhar o papel de espinha dorsal e vértice de todo o sistemas de Saúde Pública” (pág. 14).
Nós consideramos esta interpretação do papel do MSP bastante questionável. Porque, aparentemente, ignora a formação dos TSA. Que hoje, já numa percentagem bastante elevada e com tendência para crescer, detêm, além da licenciatura em Saúde Ambiental, cursos de pós-graduação em áreas afins (sobretudo em Higiene e Segurança no Trabalho) e mestrados em Saúde Pública.
Mas concordamos com a proposta, apresentada em destaque (pág. 15) de se “Redesenhar e redistribuir as competências dos outros profissionais dos Serviços de Saúde Pública” se o Grupo de trabalho (GT) a constituir seja pluridisciplinar e integre (entre outros profissionais de saúde) TSA.
5. Domínio organizativo
Nós entendemos que o SSP deverá ter não apenas autonomia técnica mas também autonomia administrativa e financeira. Para se evitarem os estrangulamentos a que hoje se assiste.
No domínio administrativo, por exemplo, assiste-se ao condicionamento da autonomia dos TSA, com ou sem delegação de competências de AS, frequentemente questionados pela direcção dos CS sobre as actividades que exercem – sobretudo no exterior (em trabalho de campo).
6. Domínio motivacional
O que o GT propõe (pág. 17) relativamente aos MS e aos profissionais de enfermagem deve ser extensivo aos TSA. Parece-nos no mínimo absurdo que se menosprezem saberes no desempenho de tarefas banais e rotineiras que desmotivam os TSA.
Aliás, Portugal deverá ser o único país da CE onde profissionais de saúde com formação académica superior (ao nível de mestrado, como já referimos) têm entre as suas principais atribuições colher amostras de água …
7. Grupo de acompanhamento
Como “Recomendação final” (pág.20), o GT propõe a “constituição de um grupo de acompanhamento que observe, enquadre, analise e relate ao nível decisório central (…) o andamento das modificações e, paralelamente, sirva de facilitador no processo de reforma que se pretende levar a cabo”.
Legitimamente, nós propomos que este grupo seja multidisciplinar e integre um TSA.
8. Síntese
Em síntese, nós propomos:
a. O SSP deverá ter autonomia administrativa e financeira.
b. A todos os níveis, o SSP deverá integrar TSA.
c. Nos SSPL, não deverá abandonar-se mas incrementar-se a política de proximidade.
d. A regulamentação do SSP deverá atender às atribuições e competências dos TSA.
e. A formação em serviço não deverá restringir-se às TIC, Tecnologias de Informação e Comunicação, mas também, concretamente em relação aos TSA, abranger outras áreas, designadamente: Direito do Ambiente, Gestão Ambiental (ISO: 14 000), Gestão da Qualidade (ISO: 9000), Gestão da Segurança Alimentar (ISO 22 000), Gestão da Segurança, Higiene e Saúde no trabalho (OHSAS 18 000), …
f. No domínio da Saúde Pública, todos os GT deverão integrar TSA.
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Ilustração: “Criança e Geopolítica Observando o Nascimento do Homem Novo”, por Salvador Dali.
2 comentários:
Tal como o teessea, também nós (a saber quem, no fim) apresentámos os nossos comentários ao documento "UM NOVO PARADIGMA PARA A SAÚDE PÚBLICA", que a seguir se transcrevem.
Devo acrescentar, que de uma forma geral, e a título pessoal, concordo com QUASE TUDO o que sugere.
"1. GRUPO DE TRABALHO PARA A REESTRUTURAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA
Estranhamente e à semelhança do grupo de trabalho para a reforma dos Cuidados de Saúde Primários, também este prima pela ausência de técnicos de saúde, que não médicos.
Ao olharmos para o panorama actual da Saúde Pública em Portugal, facilmente reconhecemos a importância do papel que os Técnicos de Saúde Ambiental têm vindo a desempenhar para o assegurar do exercício de funções de Autoridade de Saúde e garantia de "porta aberta" de muitos dos Serviços de Saúde Pública. Nesse sentido, parece-nos no mínimo estranho que estes profissionais, à semelhança de outros, não se encontrem representados no grupo de trabalho que ora apresenta o documento em análise.
2. DOMÍNIO FUNCIONAL
Ao lermos a proposta apresentada neste ponto, ficamos com a ideia de que a função de Autoridade de Saúde passaria a ser atribuída ao Serviço de Saúde Pública, pelo que não entendemos como é referido então que "a função passaria a ser assim uma prerrogativa do Serviço, uma vez que todos os seus profissionais médicos têm, à partida e decorrendo de formação especializada, competência técnica para a exercer".
Perguntamos: (i) só há profissionais médicos a desempenhar funções nos Serviços de Saúde Pública?; (ii) só os profissionais médicos têm competência técnica para exercer as funções de Autoridade de Saúde?
Relembramos que o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 286/99, de 27 de Julho, possibilita a delegação de competências das autoridades de saúde, previstas no Decreto-Lei n.º 336/93, de 29 de Setembro, noutros profissionais que integram os respectivos Serviços de Saúde Pública. Desde essa data, muitos têm sido os Técnicos de Saúde Ambiental a quem foi reconhecida tal competência, não se compreendendo por isso, nesta fase, a sua exclusão deste leque de profissionais, ainda que admitamos que com a revogação/alteração destes diplomas a possibilidade da referida delegação de competências seja simplesmente "banida".
É neste ponto (domínio funcional) que encontramos pela primeira vez a figura de Director do Serviço de Saúde Pública. Quem e de que forma é feita a nomeação do profissional que irá desempenhar as funções atribuídas a esta figura?
3. DOMÍNIO LEGISLATIVO
No que se refere às propostas apresentadas no ponto 4.2., salientamos o facto de não encontrarmos justificação para que se venha a redesenhar e redistribuir as competências dos Técnicos de Diagnósticos e Terapêutica, área de Saúde Ambiental. As suas competências técnicas estão claramente evidenciadas e reconhecidas no Decreto-Lei n.º 117/95, de 30 de Maio e enquadram-se naquelas que são as funções a desempenhar nos Serviços de Saúde Pública.
Em relação às questões legislativas, e fazendo alusão ao já explanado no domínio anterior, importa referir que consideramos relevante a manutenção da delegação de competências ou a atribuição efectiva de algumas das competências de Autoridade de Saúde aos Técnicos de Saúde Ambiental. Tanto uma, como outra solução, deverão ser objecto de análise pormenorizada, de forma a que a solução final venha a ser consensual entre as várias partes.
4. DOMÍNIO ORGANIZATIVO
Ao nível do domínio organizativo, parece-nos evidente que a área de influência dos Serviços de Saúde Pública Local irá ser atribuída em função das necessidades de saúde em avaliação, aquando da reestruturação dos cuidados de saúde primários. Relembramos que a intervenção em Saúde Pública se reveste de requisitos muito específicos, que não serão necessariamente consonantes com os pressupostos para estas questões ao nível dos cuidados de saúde primários.
Com a sonegação das sub-regiões de saúde, encontra-se justificação para que a agregação dos Serviços de Saúde Pública não seja necessariamente coincidente com a divisão administrativa "distrito". No entanto, a reestruturação a que os serviços de saúde irão ser sujeitos, não será objecto de replicação ao nível doutros ministérios. Fará então sentido, que para um mesmo Serviço de Saúde Pública Local, que na sua área geográfica de influência tenhamos concelhos de mais do que um distrito, termos de vir a protocolar eventuais intervenções conjuntas entre vários departamentos de um mesmo ministério?
A título de exemplo referimos que os CAE's (Centros de Área Educativa) das Direcções Regionais de Educação, com quem os serviços terão que se articular, serão diferentes entre concelhos de diferentes distritos.
5. DOMÍNIO PROFISSIONAL
Neste domínio é referenciada a mobilidade funcional dos funcionários entre os Serviços de Saúde Pública Nacionais, os Serviços de Saúde Pública Intermédios e os Serviços de Saúde Pública Locais. No entanto, os objectivos desta mobilidade não estão bem claros uma vez que é referenciado o apetrechamento tecnológico e a funcionalidade do trabalho em rede como meios para reduzir a "distância física" e minimizar os custos da mobilidade geográfica.
As questões abordadas no domínio tecnológico, são imprescindíveis para a funcionalidade de um Serviço de Saúde Pública, no entanto não substituem a mobilidade funcional a qual tem implicações a nível de custos que devem ser assegurados pelos serviços.
6. DOMÍNIO MOTIVACIONAL
Neste domínio, a prioridade foi obviamente a de criar condições de satisfação profissional para aquelas áreas profissionais (medicina e enfermagem) cuja suposta falta de pessoal se torna mais evidente. De acordo com o documento "Centros de Saúde e Hospitais: Recursos e Produção do SNS: Ano de 2003"* da Direcção Geral da Saúde, em 2003 existiam em serviço nos Centros de Saúde de Portugal continental, 379 Médicos de Saúde Pública, 376 Enfermeiros de Saúde Pública/Comunidade e 411 Técnicos de Saúde Ambiental. Face a estes números, podemos deduzir que a haver falta de técnicos de saúde, ela é evidente em todos os grupos profissionais e não exclusivamente ao nível médico e de enfermagem, ou então, a haver de facto falta de médicos e enfermeiros eles estarão a desempenhar funções noutros serviços, que não os de Saúde Pública. Sendo assim, teremos que atribuir igual relevância a todos os profissionais em apresso, porque como já vimos o seu número é semelhante ou estamos perante uma gestão de recursos humanos enganosa que pretende dar a entender que "só faz falta quem não está".
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* Portugal. Direcção-Geral da Saúde. Direcção de Serviços de Informação e Análise. Divisão de Estatística. - Centros de Saúde e Hospitais: Recursos e Produção do SNS: Ano de 2003. Lisboa: Direcção-Geral da Saúde, 2005. - 127 p. - (Estatísticas)."
GRUPO DE TRABALHO QUE APRESENTOU ESTES COMENTÁRIOS:
Ana Teresa Oliveira, TSA, Centro de Saúde da Póvoa de Sta Iria
Cláudia Purificação, TSA, Centro de Saúde S. Mamede/Sta Isabel
Liliana Cristóvão, TSA, Centro de Saúde do Lumiar
Regina Dias, TSA, Centro de Saúde do Lumiar
Sandra Jorge, TSA, Centro de Saúde de Azambuja
Susana Daniel, TSA, Centro de Saúde da Lapa
Vítor Manteigas, TSA, Centro de Saúde da Póvoa de Sta Iria
Nota: mais informações referentes a este assunto, visitem o Fórum dos Profissionais de Saúde Ambiental (http://foros.infor.ya.com/SForums/$M=readforum$F=61665)
Saudações ambientais,
Vítor Manteigas
Vítor Manteigas,
Nós já tivemos oportunidade de recolher no Fórum o documento que nos enviou. Para lermos durante o fim-de-semana. E era (é) nossa intenção publicar uma breve notícia no JSA sobre as sugestões que o grupo apresenta.
Entendemos que o documento deverá ser publicado noutro espaço e não ficar apenas disponível no “Comentário”.
No seu comentário, afirma que concorda com quase tudo. Só por curiosidade, com que é que não concorda?
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