Falta pouco mais de um mês para o Natal. Para os cristãos, a festa de celebração do nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Um pouco por todo o mundo, mas sobretudo no Ocidente, a Festa da Família. A Festa de celebração da Família.
O meu mundo começou a ruir numa Noite de Natal. E hoje, transcorridos quase cinquenta anos, o ruído continua a repercutir-se e a estilhaçar-me a alma.
Quando nos preparávamos para sair de casa, para irmos assistir à Missa do Galo e beijarmos o Menino Jesus que renascera, o meu pai chamou-me. A minha mãe e os meus irmãos já tinham descido para o carro quando o meu pai, com naturalidade, confiante na minha maturidade de adolescente e filho mais velho, me passou o testemunho e me disse: - “Tu sabes que não há Menino Jesus e que somos nós, os pais, que…”. Iludi como pude o caos que me avassalou a alma e acompanhei o meu pai, que me indicou o sítio – uma arrecadação, no vão do telhado – onde estavam escondidas as prendas e me instruíu sobre o modo como devia distribuí-las pelos sapatos de todos nós em redor do presépio, com talvez duas dezenas de figuras de barro e montanhas de caixas de cartão cobertas com musgo, rios feitos com a prata de maços de cigarros, caminhos desenhados com serradura e muita neve, de farinha e algodão. No final, lembrou-me: - “Não demores, que falta pouco tempo para a missa…”.
Não me lembro de mais nada dessa noite. Nem dos dias seguintes. Quando comecei a a questionar-me. Sobre tudo. Sobre o mundo à minha volta, que talvez fosse tão só uma representação, como o presépio. Ou talvez seja, respondo ainda hoje, embora saiba ou talvez só pressinta que as figuras não são de barro…
Adolescente, comecei a perceber porque é que a grandeza das prendas de natal das crianças era proporcional à riqueza dos pais. E perguntava-me se as observações e recomendações dos pais e as prelecções dos catequistas sobre o nosso comportamento - “Portem-se bem, para que o Menino Jesus vos dê boas prendas!” – não seriam apenas um meio para nos displinar. E estabeleci no silêncio da razão algumas relações fantásticas, que não me tranquilizaram: se o Menino Jesus não existe, foi inventado. Logo…
Logo, hoje, peregrino no trilho da verdade, pelas veredas da mentira, piso descalço os estilhaços da alma e magoou-me numa conclusão perversa: Deus é a mais divina invenção humana.
………………..
Ilustração: Imagem recolhida em Voc Acção
O meu mundo começou a ruir numa Noite de Natal. E hoje, transcorridos quase cinquenta anos, o ruído continua a repercutir-se e a estilhaçar-me a alma.
Quando nos preparávamos para sair de casa, para irmos assistir à Missa do Galo e beijarmos o Menino Jesus que renascera, o meu pai chamou-me. A minha mãe e os meus irmãos já tinham descido para o carro quando o meu pai, com naturalidade, confiante na minha maturidade de adolescente e filho mais velho, me passou o testemunho e me disse: - “Tu sabes que não há Menino Jesus e que somos nós, os pais, que…”. Iludi como pude o caos que me avassalou a alma e acompanhei o meu pai, que me indicou o sítio – uma arrecadação, no vão do telhado – onde estavam escondidas as prendas e me instruíu sobre o modo como devia distribuí-las pelos sapatos de todos nós em redor do presépio, com talvez duas dezenas de figuras de barro e montanhas de caixas de cartão cobertas com musgo, rios feitos com a prata de maços de cigarros, caminhos desenhados com serradura e muita neve, de farinha e algodão. No final, lembrou-me: - “Não demores, que falta pouco tempo para a missa…”.
Não me lembro de mais nada dessa noite. Nem dos dias seguintes. Quando comecei a a questionar-me. Sobre tudo. Sobre o mundo à minha volta, que talvez fosse tão só uma representação, como o presépio. Ou talvez seja, respondo ainda hoje, embora saiba ou talvez só pressinta que as figuras não são de barro…
Adolescente, comecei a perceber porque é que a grandeza das prendas de natal das crianças era proporcional à riqueza dos pais. E perguntava-me se as observações e recomendações dos pais e as prelecções dos catequistas sobre o nosso comportamento - “Portem-se bem, para que o Menino Jesus vos dê boas prendas!” – não seriam apenas um meio para nos displinar. E estabeleci no silêncio da razão algumas relações fantásticas, que não me tranquilizaram: se o Menino Jesus não existe, foi inventado. Logo…
Logo, hoje, peregrino no trilho da verdade, pelas veredas da mentira, piso descalço os estilhaços da alma e magoou-me numa conclusão perversa: Deus é a mais divina invenção humana.
………………..
Ilustração: Imagem recolhida em Voc Acção
Sem comentários:
Enviar um comentário