2008-09-25

Um livro cuja leitura doi


Dói ler este livro, a “Cartilha de Sanidade para conduta do povo português”, um livro “Composto e impresso nas Oficinas da Coimbra Editora, Lda.” em data incerta.

Em data incerta, mas num tempo em que “Uma das maiores desventuras da sanidade portuguesa está na mortandade de crianças com menos de 12 meses. Em cada mil nascimentos morrem cerca de 130 durante o 1º ano de vida” (página 29);

Também num tempo em que a Direcção Geral da Saúde se socorria de um episódio bíblico para, como Moisés na “fuga do Egipto para a Terra da Promissão”, recomendar “ao Povo que levasse um pau no cinto, quando se abaixasse a fazer as necessidades para com ele escavar a terra e cobrir a imundície” (página 7).

Num tempo em que não se esconde

a pobreza: - “O grande aperfeiçoamento estaria em não consentir casa sem sentina, se a condição económica permitisse a despesa a que tal preceito obrigaria o morador” (página 8);

a fome: - “(…) é certo também que há ricos, vivendo com grande conforto, que se tuberculizam e morrem de tuberculose, ao passo que há pobres que vivem de fome a vida inteira e não são tocados por tão grave flagelo"(página 13);

e o analfabetismo: - sobre o “Uso desta cartilha”, salienta-se que “Pratica acto meritório o que nas horas vagas convocar os que não sabem ler e lhes faça leitura e explicação do que se recomenda, exortando-os a praticá-lo” (página 39).

Dói ler este livro porque através das recomendações (e pela linguagem adoptada) para a prevenção das doenças nós podemos sem dificuldade recriar as sofridas condições sociais e económicas da população e pressentir a prepotência do regime político que sobreviveu até meados da década de 70, no século passado.

E também dói ler este livro porque tantas dezenas de anos depois, apesar da evolução socio-económica, do desenvolvimento da medicina e do progresso na prestação de cuidados de saúde, ainda há problemas sanitários que persistem – apesar de já diagnosticados na “Cartilha de Sanidade para conduta do povo português”…

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