2010-08-08

SMAE de Quelimane: uma rotura mais do que oportuna


Há cerca de 35 (trinta e cinco) anos, eu estava (em família) a almoçar no Gurué (Vila Junqueiro), na Zambezia (Moçambique), no restaurante do pequeno hotel que lá existia, quando reparei num jovem oficial da Frelimo sentado a uma das mesas. Almoçava com amigos e/ou familiares e conversava animadamente. Mas eu não gostei do facto dele estar armado, com uma pistola no cinto como se fosse um “cowboy” cinematográfico. Só as pessoas que me acompanhavam me impediram de eu ir propor-lhe que arrecadasse a pistola.

Poucos dias depois, em Quelimane, no meu local de trabalho, o contínuo foi avisar-me que eu devia ir para o átrio dos serviços admnistrativos onde iria começar uma “Sessão de Esclarecimento” promovida pela Frelimo – a primeira que se realizava nos SMAE, Serviços Municipalizados de Água e Electricidade. Demorei o máximo de tempo que pude. Quando entrei na sala já lá estavam quase todos os meus colegas e reparei que a sessão - também popularizada por “sessão de engajamento” – estava a ser dirigida pelo tal jovem revolucionário. Enquanto pensava num bom pretexto para sair dali, eu ouvi com aparente atenção as suas palavras de ordem, e, para evitar atritos maiores, sempre levantava o braço direito, com o punho cerrado, para em coro parecer gritar “Viva a Frelimo!”.

Poucos minutos depois, o operador da estação de bombagem – que, havia poucos dias, me apresentara o seu filho, militar da Felimo – foi dizer-me que havia uma rotura na rede de distribuição de água. Expus o problema ao oficial da Frelimo e disse-lhe que precisava de mobilizar uns quantos trabalhadores para nos deslocarmos ao local. Ele acedeu, apontei todos os canalizadores e o motorista e fui falar com o Director – o Eng. Peixoto Duarte, manifestamente inquieto com a situação sem saber como agir. Após alguns instantes de hesitação, tomámos a decisão mais acertada: saímos pela porta privada do seu gabinete, fomos ter com os canalizadores e todos, amontoados dentro de um jipe, fomos… para o armazém de uma mercearia, na periferia da cidade, onde (um de nós sabia) ainda se vendia cerveja. E foi em cima de uns quantos sacos de farinha, ou de rações ou do quer que fosse, que, bebendo “Laurentinas” esperámos que a sessão acabasse....

(Para tranquilidade dos leitores mais zelosos, esclareço que a rotura não era significativa e fora entretanto solucionada por outros trabalhadores.)

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Ilustração: Fotografia por Maria João Oliveira Julião, Julho de 2010.

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